20070113

António Olaio & João Taborda















António Olaio & João Taborda, exploram as potencialidades das canções na criação de diferentes atmosferas ficcionais.
Sendo João Taborda, músico e António Olaio, músico e artista plástico, as suas actuações podem ser vistas como concertos ou como performances. No delírio conceptual das letras e o eclectismo despudorado das melodias, cada canção tem as potencialidades sugestivas de uma imagem.

1 comment:

usm said...

António Olaio
Artista plástico e músico, nasceu em Sá da Bandeira, em 1963 e vive em Coimbra, cidade onde trabalha, sendo professor no curso de arquitectura da Universidade. Expõe desde o início dos anos 80. As suas primeiras performances e, sobretudo, a exploração das potencialidades performáticas da pintura levaram-no à música, percurso iniciado nos anos 80 como vocalista e letrista dos Repórter Estrábico e, actualmente, desde meados dos anos 90, com o músico João Taborda. Mostrando frequentemente os seus vídeos nas suas exposições, eles podem ser encarados como video-art que tem a aparência dos video-clips e são exemplo da forma como as canções que interpreta e escreve com João Taborda contaminam a sua pintura.

João Taborda
Músico e investigador científico, João Taborda nasceu em Coimbra, em 1970. Licenciado em Biologia pela Universidade de Coimbra, João Taborda doutorou-se em Biomedicina na Universidade do Porto, tendo trabalhado durante vários anos na Universidade de Harvard. Em 1989 fundou o grupo Ela e os Coisos, que ficou em terceiro lugar na II Mostra de Música Moderna de Coimbra. Em 1994 foi finalista, com os Slicking Lizzards, na Mostra de Música Moderna da Rádio da Universidade de Coimbra (RUC). Em 1995, compõe em co-autoria com António Olaio, cria os arranjos e interpreta, à guitarra, as canções do CD Loud Cloud, editado pela Lux Records. Em 2000, António Olaio e João Taborda lançam o CD Sit on my soul, uma co-edição Lux Records e Norte Sul. Um novo CD da dupla será editado em breve.


Comentários na Imprensa:

Bambi is in jail... again.

A mais inusitada e enigmática dupla da pop nacional aterra, na noite de 26 de Março, no interior do bunker que Pedro Tudela instalou no Salão + ou – Nobre do TNSJ. Com o alto patrocínio do PortoGoPhone, o artista plástico António Olaio e o cientista João Taborda preparam-se para um concerto fora de horas com o nome “Red Rainbows”. Um pretexto mais-que-perfeito para reconstituirmos o peculiar percurso musical de Olaio, com quem falámos sobre as enigmáticas canções que faz com Taborda. Uma conversa sobressaltada por estranhos seres: um sorridente Mickey com graves problemas de asseio, um Bambi reincidente e um exército de percevejos-espiões.

É o mais inverosímil front man da pop nacional. O anti-vocalista de concerto de Verão, o absoluto contrário de um Mick Jagger, a negação mais radical do carismático (e estereotipado) animal de palco das bandas rock. Ele não é “espectacular”, “maravilhoso”, “atraente”: não arrasta atrás de si uma legião de fãs e flashes fotográficos. Tanto pior – para as fãs e os flashes fotográficos. Porque este homem – António Olaio, conhecido por ser o mais desconcertante letrista e desconcertado vocalista da música portuguesa – é capaz de magnetizar a atenção do público, desde o primeiro ao último minuto dos seus concertos com o guitarrista e compositor João Taborda. Na vida real, Olaio é artista plástico e performer (reza a lenda que foi ex-vocalista dos delirantes Repórter Estrábico); Taborda é investigador científico da área da biologia celular e molecular, mas tem esqueletos no armário: o Duas Colunas conseguiu saber que pertenceu a uma banda com o insondável nome Ela e os Coisos. Formam a mais inusitada e enigmática dupla musical dos tempos que correm e ameaçam reaparecer, a 26 de Março, no interior do bunker que Pedro Tudela instalou no Salão + ou – Nobre do TNSJ. Um concerto em língua inglesa, com lusitanas bizarrias, no PortoGoPhone.

O performer e o cantor
António Olaio foi (ainda é?) o Repórter Estrábico, tal como Rui Veloso foi (ainda é?) o Chico Fininho. (Como nas telenovelas e em tantas outras coisas da vida real, a criatura acaba frequentemente por engolir o criador...) Pertence agora à categoria dos “ex-”: dizemos que é ex-Repórter Estrábico como Vítor Rua e Alexandre Soares são ex-GNR’s, gancho promocional sempre à mão e higiénica fórmula de catalogação. O artista plástico quer, todavia, desembaraçar-se tanto da máscara (um marketeer diria “imagem de marca”) como da etiqueta. Antes de mais por se tratar de um passado que o seu actual compagnon de route não partilha. Mas sobretudo porque muita coisa mudou nos últimos tempos: Olaio descobriu um genuíno prazer em fazer música (e, pasme-se!, até em cantar) e o combate entre o performer e o cantor (a existir uma tal barbaridade sanguinária…) começa a ser ganho pelo segundo.
Recorde-se, a propósito, que Olaio começou a fazer música na sequência dos seus primeiros projectos de performance (heróica década de 80!), em que ensejava “dançar sem sair do mesmo sítio”. Um passinho apenas e, prolongando essa ideia numa experiência que esteve na origem dos Repórter Estrábico, compôs e interpretou a sua primeira canção, não por considerar que detinha uma bela voz ou uma rara vocação para o canto, mas precisamente pela razão inversa. Tanto aqui como ali, encenava-se um desejo sem se possuir as capacidades para o concretizar. Por altura do brrr – Festival de Live Art (Junho 2003), Olaio explicava nas páginas deste mesmíssimo jornal: “O mais importante pode não ser fazer, mas sim não saber fazer as coisas, esse lado mais deceptivo, explorar a distância entre o que se quer e o que se consegue, isso é uma coisa muito poética, embora não goste da palavra ‘poética’...” (Duas Colunas, n.º 4)
Quem conserve apenas na memória uma fugidia e precária imagem dos Repórter Estrábico, referirá uma banda aparentemente normal com um tipo xoné no meio. Mas quem conheceu o grupo que Olaio fundou com José Ferrão, falará de uma banda que cultivava uma pop inteligente e inventiva, bem-humorada e de pendor arty, de que o seu excêntrico vocalista – com a sua dança desarticulada – era o ícone perfeito. “Acho que agora pareço menos excêntrico…”, observou no decurso de uma conversa que se seguiu à viagem de reconhecimento da instalação de Pedro Tudela no Salão Nobre. Tomando como exemplo o concerto dado no âmbito do brrr, perguntamos porque está mais discreto e contido, se está menos à-vontade: “Eu não estou menos à-vontade, eu já estava muito pouco à-vontade! Tentava era explorar o mais possível esse embaraço. Em vez de estar simplesmente parado, exibia-o com algum disparate.” A música agora é outra: “Nós apostamos muito nas canções e reparei que, se me mexer menos, canto menos mal. (risos) Trabalho com um músico excelente e comecei a gostar mesmo do lado musical. A graça pela graça sempre... acaba por já não ter graça nenhuma. E depois convém que as coisas não sejam assim tão mal feitas, não é?”

Red Rainbows
A colaboração musical entre António Olaio e João Taborda sofreu, no passado recente, outras mutações genéticas. Se o cantor-performer abandona a pose encenada – “Nos primeiros concertos, pensava muito na gravata e no casaco que ia usar” –, o cientista-compositor regressa aos teclados e ao sintetizador, abandonando definitivamente o formato inicial – “muito simples e muito caseiro” – da dupla acústica guitarra & voz. O mais importante, contudo, advém das canções propriamente ditas, que não cessam de se acumular à espera do dia em que lhes será garantida a posteridade. Olaio: “Estamos para entrar em estúdio desde Abril do ano passado e diria que já temos temas suficientes para editar um triplo álbum (risos).” O alinhamento do concerto confirma-o: dos álbuns editados – Loud Cloud (1996) e Sit on my soul (2000) –, apenas um punhado de temas será convocado e a parte de leão caberá a canções inéditas, muitas das quais têm sido dispersivamente dadas a conhecer nos concertos mais recentes.
A que empresta o nome a este concerto é “Red Rainbows”, expressão da enigmática ambivalência que, na visão de Olaio, impregna radioactivamente a realidade, seja lá o que esta palavra queira ou consiga ainda dizer. “Imaginar um arco-íris, que é uma coisa muito bonita, tingido da cor do sangue, torna-o imediatamente terrível. Claro que a canção diz: ‘It´s not colour of blood.’ Mas di-lo também para fazer pensar nessa hipótese. Equivale a dizer: não é, mas podia ser.” Boa parte das canções de Taborda e Olaio privilegiam, aliás, esta perigosa reversibilidade de tudo o que existe – a beleza facilmente mostra a sua aterradora face de Medusa e a fantasia, quando menos esperamos, degenera num pesadelo demoníaco. Uma outra canção, também inédita, fala de um jardim amoroso – um jardim onde se plantam corações. “With your feet you can hear the heart beat”, escutamos. O songwriter comenta: “Uma coisa romântica pode assim tornar-se em algo de terrífico e insuportável.” E o que dizer do clássico “Nasty Butterflies”, em que belos e encantatórios seres revelam o seu lado monstruoso? Aqui também a linguagem – ou a ambiguidade que nela faz morada – está em xeque. Uma infeliz criatura vê-se atormentada por percevejos (“bugs”) que invadem e tomam conta de toda a sua existência. Até aqui tudo bem e o assunto poderia inclusive ser objecto de reportagem num noticiário da TVI. Acontece, todavia, que “bug” pode também significar um minúsculo aparelho de escuta. Ficamos, pois, sem saber se o quotidiano de uma tão tragicómica e neurótica personagem é dominado por um exército furioso de vermes ou por silenciosos (mas nada, mesmo nada discretos...) espiões electrónicos. Numa altura em que a questão das escutas telefónicas assume contornos de paranóia nacional, levando até o mais pacato e ordeiro cidadão a duvidar da sua imunidade, “Nasty Butterflies” adquire retrospectivamente uma aura profética. Incapaz de fazer mal a uma mosca?

A loucura da normalidade
No que diz respeito ao universo musical de Olaio e Taborda, nunca chegaremos a saber se estamos num sonho cor-de-rosa ou num daqueles pesadelos de que é difícil sair. As canções falam-nos de Natal, do Mickey e do Bambi, mas isso não nos deve enganar. “Bambi está na prisão”, adverte-nos uma das canções mais emblemáticas do primeiro disco. Mas, note-se, não foi vítima de uma perversa conspiração ou de uma qualquer cabala política: “está preso por justa causa”, esclarece Olaio. Um qualquer vírus surrealizante penetrou no sistema onírico e fantasioso em que estas canções são geradas? Pelo seu lado, Olaio prefere falar numa certa ideia de “normalidade” de que o “estranho” e “absurdo” não são corpos exteriores, mas princípios constitutivos. Explain, Mr. Lynch: “Sim, há qualquer coisa de disneylândico na nossa música – mas tanto da Disneylândia da fantasia e do imaginário infantil, como da Disneylândia daqueles funcionários franceses que fizeram greve por motivos de higiene, porque são obrigados a usar fatos que outros usam não sei quantas vezes e que não são lavados. Imagino um Mickey a rir-se, mas também o tipo que está dentro dele encharcado em suor, mau cheiro e outras coisas piores.”
Duas semanas antes de aterrar no peculiar contentor de Tudela, Olaio fará uma incursão em terras norte-americanas com uma exposição (40 years in a plane é o título) e dois concertos com Taborda: Nova Iorque, galeria conTEMPorary, é o destino. “Regressamos transfigurados”, prometeu Olaio já à saída, ao franquear a porta das traseiras do TNSJ.

Pedro Sobrado

6.11.06


View-master no Labirintho (Público, 19 de Junho, 1996)
A sensação de assistir a um concerto de António Olaio e João Taborda é semelhante àquela que se tem ao olhar para o desenrolar de uma história num "View-master". As canções falam-nos de coisas tão simples como Natal, Bambi, Mickey e Jesse James. São declarademente artificiais, porque se assumem como sucedâneos de composições "mainstream". Os espetáculos situam-se assim entre uma sessão acústica e uma "soirée" de cabaré filmada por David Lynch. A atitude conceptual de Olaio e as abstracções melódicas de Taborda fazem destes recitais momentos únicos. E ouvir os temas de "Loud Cloud" (CD editado pela editora Lux, em colaboração com a revista "Confidências para o Exílio" e o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra) no Labirintho -um dos bares mais pop desta cidade (Porto) - será certamente um prazer. "My hand is a ready-made/ my feet in a parade..." escuta-se numa canção. Pronta a ouvir, esta música onde se cruzam Marcel Duchamp e os Young Marble Giants.

Nuvem Barulhenta (Público, 2 de Outubro, 1996)
O mais desarticulado dançarino da música portuguesa, o mais desconcertante letrista da canção lusitana, António Olaio, actua hoje e amanhã, acompanhado pelo guitarrista João Taborda, a partir das 23 horas, no muito adequado salão alfacinha do Ritz Club. O duo apresentará em Lisboa o espectáculo "Loud Cloud", que se baseia nas canções retiradas do álbum do mesmo nome que ainda este ano editaram. Mais conhecido pelo seu trabalho que desenvolveu nos Repórter Estrábico, o espectáculo desta noite poderá ser uma verdadeira celebração de fantasia e introspecção, com a mioleira a ser injectada por de hélio e a romper pelo tecto como uma nuvem tresloucada. Tal é o projecto "Loud Cloud", uma simples guitarra e uma voz debitando, com lusitana convicção em inglês, um sibilante espanto perante a evidência dos mundos que nos fogem à compreensão.
Aparentemente neuróticas, as canções de Olaio e Taborda, mergulham nas melodias infantis e em acordes obsessivos e encantatórios para nos fazerem mergulhar numa dimensão em que os pesadelos são o reflexo temerário da fantasia e em que a rotina do quotidiano pode ser a chave de entrada no País das Maravilhas, com ou sem Alice a ajudar. E tudo sem estimulantes, "drunfs", ácidos ou conservantes: só com a seta certeira das palavras sibilantes, chovendo da mioleira. Nuvens altas, portanto. Para quen ainda não conhece "Loud Cloud", fica apenas esta provocação: é um dos mais divertidos e delirantes albúns da música portuguesa desta década. Pela sua discrição, poucos o terão escutado, o que não admira: o céu limpo afugenta as nuvens barulhentas. A imaginação pode não subir ao poder, mas subirá por certo hoje e amanhã ao palco do Ritz Club.

6.11.06